A Tribo da Paz
A luta para manter uma Organizada de clube pequeno baseando-se no apoio ao clube e na não violência dentro e fora dos estádios.
No dia oito de abril, poucos torcedores dobravam melancolicamente as faixas da torcida, o Tupi havia sido eliminado do Campeonato Mineiro pelo Ipatinga nas quartas-de-final. Por mais um ano o clube saia da competição após chegar a sentir o gosto do sucesso, o que durante anos tem espantado e afastado muitos dos que resolvem aparecer no Estádio Municipal Radialista Mário Helênio, menos os membros dessa torcida. Formada há três anos por membros da comunidade oficial do site de relacionamentos Orkut, a Torcida Organizada Tribo Carijó era uma forma de unir os mais fanáticos Carijós, nome pelo qual são chamados os fãs do Tupi, e criar um movimento de apoio ao clube, que sempre sofreu com a falta de apoio vindo das arquibancadas.
Após muitas conversas enfim no dia 12 de outubro de 2006 a Tribo se reuniu pela primeira vez. “A faixa de pano, uma espécie de identificador da torcida, não era grande, mas a disposição de ajudar o clube do coração com músicas e cantos era imensa, a partir daí, muitos aderiram à causa e a torcida cresceu muito no primeiro ano e teve condições de fazer novas bandeiras e faixas”, disse Miguel Guastucci, ex-diretor da torcida, hoje membro participante. Se para um clube grande isso é difícil, mesmo existindo milhões de torcedores, imagine para um clube com média de público inferior a 2000 pessoas por jogo. “Muitos não entendem o que fazemos e porque fazemos. Me perguntam sempre o motivo pelo qual eu torço por um clube de série D, a quarta divisão do Campeonato Brasileiro”, afirmou Eduardo Kaehler, membro da torcida há dois anos. A verdade é que as incertezas vividas pelo clube alvinegro levam muitos a desistir de acompanhá-lo e continuar a torcer por equipes de divisões maiores, inclusive e principalmente os clubes do estado do Rio de Janeiro, costume muito comum entre os juizforanos.
Atrás da paixão maior
O Tupi Football Club tem 98 anos de fundação e nenhum título profissional em nível nacional, apenas um campeonato mineiro da segunda divisão, ganho em 2001 e uma Taça Minas Gerais, ganha em 2008. O clube vive do prestígio, quase esquecido, de uma equipe vencedora da década de 60, denominada “O Fantasma do Mineirão”, cujo maior feito foi ter vencido os três “grandes” de Belo Horizonte, América, Atlético Mineiro e Cruzeiro, dentro do Estádio Governador Magalhães Pinto, o famoso Mineirão. Por conta disso, existem muito poucos torcedores jovens e quase nenhum torcedor exclusivo do Tupi, geralmente os simpatizantes torcem também para algum clube de divisões superiores.“Tem que ser apaixonado para torcer pelo Tupi” confirmou Eduardo Kaehler.
Na Tribo existem torcedores que tentam manter apenas a paixão pelo Carijó e abandonaram completamente os seus antigos clubes de coração. “Já torci muito pelo Vasco, hoje acompanho o Tupi em qualquer lugar. Já fui desde o Mineirão até o Moça Bonita, estádio do Bangu no Rio de Janeiro, para acompanhar o Galo”, disse Eduardo.
A Torcida, sempre que possível, acompanha o time nos campeonatos. A realização de caravanas é uma das bandeiras da Tribo, que promete em seus lemas e suas músicas estar presente em qualquer lugar que o Tupi jogar. A primeira viagem da Organizada foi para assistir a uma partida da Taça Minas Gerais de 2006 contra o Villa Nova em Nova Lima. Desde então a torcida não parou mais. Dentro do estado de Minas Gerais, a Tribo já colocou suas bandeiras e faixas em quase todos os estádios dos clubes da primeira divisão do campeonato estadual mineiro.
Mas nem tudo são flores. Na viagem para o Rio de Janeiro com a finalidade de acompanhar a partida entre Tupi e Madureira, válida pelo Campeonato Brasileiro da série D no ano passado, aconteceram vários imprevistos. “Por causa de problemas no ônibus tivemos que andar a pé pela baixada fluminense e uma viagem que duraria poucas horas demorou quase um dia inteiro”, disse Rodrigo Liquer, diretor da Tribo Carijó.
Driblando as desconfianças
Uma pesquisa da TNS Sport Brasil realizada em novembro de 2009 mostra que 84,75% das 8.216 pessoas ouvidas associam a violência nos estádios de futebol às torcidas organizadas. Na mesma pesquisa foi feita a seguinte pergunta: "Se as torcidas organizadas fossem banidas do futebol, o torcedor iria assistir aos jogos nos estádios?" A resposta sim foi escolhida por 61% dos entrevistados.
Uma das bandeiras da Tribo é a da não violência e a busca por parcerias amistosas entre outras torcidas. “Temos amizades com outras torcidas organizadas em Minas e no estado do Rio”, afirmou Rodrigo. Entre as parceiras da Tribo estão a Seita Verde, do América Mineiro de Belo Horizonte, a Camisa 12, da Caldense de Poços de Caldas, a Pantera cor-de-raça e a Demorkut, do Democrata de Governador Valadares e no estado do Rio de Janeiro a torcida Sangue Jovem, do América.
Mesmo essa postura pacífica não impediu que acontecesse uma das maiores tristezas da torcida. No ano passado no confronto contra o Macaé, alguns torcedores do Tupi, nervosos devido o resultado da partida, rasgaram uma das faixas da Torcida Organizada Império Macaense e esta torcida relacionou o incidente com a Tribo Carijó, por essa ser a maior organizada do alvinegro. Na partida posterior os torcedores do Macaé revidaram o ataque sofrido em cima de um torcedor da Tribo. Ele foi agredido no centro de Juiz de Fora por alguns membros da Império e só conseguiu fugir após algumas torcedoras do time fluminense pedirem para que ele fosse solto. Esse torcedor é Marcus Vinícius de Oliveira, ex-membro da torcida alvinegra. “Eu estava indo para o ponto em frente ao Stella, colégio particular da cidade, e fui cercado por alguns homens que me agrediram e rasgaram minha roupa. Senti muito medo e depois que tudo passou senti muita raiva”, relatou Marcus.
Esse incidente irritou profundamente os membros da Tribo e ao próprio Marcus que acabou perdendo a vontade de fazer parte de algo do gênero. “O perfil da torcida não era de violência e sim de paz. Eu me senti abandonado e acabei por perder a confiança. Hoje não me vejo como parte de nenhuma torcida organizada” disse ele.
Fazendo o show no estádio
Fogos de artifício, chuvas de prata, fumaças coloridas. Esses são alguns dos materiais usados para fazer espetáculos no estádio Municipal. E para uma organizada fazer a festa para os atletas em campo é de extrema necessidade, aliás, é a função principal de uma torcida organizada. “Uma organizada deve apoiar sempre o time pelo qual ela torce independente da situação que ele esteja, além disso, ela é um dos principais acessos dos torcedores comuns para com sua equipe para cobrar empenho e dedicação máxima dos atletas e bons resultados quando sua equipe enfrenta uma crise” afirmou Rodrigo Liquer.
Esse apoio por parte da organizada é muito bem visto pelos torcedores que não são membros efetivos da organizada. Algumas músicas da Tribo já foram cantadas por todo o estádio. “Acho a participação da Tribo muito positiva. É uma torcida pacifista e que faz belos shows. As festas são bonitas mais pela disposição de seus membros do que pela quantidade de pessoas” disse o torcedor carijó Henrique Fernandes.
As torcidas organizadas são contestadas, não são indispensáveis, mas elas são importantes. “Os shows dados por elas valorizam ainda mais o jogo de futebol e é uma característica do futebol do futebol brasileiro” afirmou Henrique.
Expectativas
No mês de julho o Tupi retoma sua caminhada em busca do acesso para a série C do Campeonato Brasileiro. E a Tribo promete voltar com tudo. Após um ano de incertezas, com a saída de membros e sem saber ao certo o futuro do clube de coração, os torcedores prometem se organizar e ficarem cada vez mais fortes. Foi criada uma lista de cadastro e os inscritos podem, caso tenham condições ou desejem fazer, pagar uma quantia mensal de R$10,00 para ajudar na manutenção da torcida. “Fazer o que a gente faz não é fácil e sem apoio fica mais difícil ainda. A contribuição dos membros ajuda bastante nas festas, nas viagens e para adquirir novos materiais” disse Eduardo Kaehler. Entre os principais problemas enfrentados estão a falta de dinheiro, a rejeição por parte de alguns por ser uma organizada e a falta de apoio de alguns setores do próprio clube.
Mas apesar de tudo isso, a torcida se apóia no ideal de nunca vaiar o time e no fato de ser pacífica, para atrair novas pessoas que se interessem em manter vivos esses ideais. “As expectativas são as melhores possíveis, apesar dessa parada no calendário ser um fator possível para uma quebra de ritmo. Mas com a vontade que vejo nas atitudes e pensamentos dos nossos membros mais antigos e até mesmo de novos membros que entraram de cabeça no nosso projeto vamos voltar ao topo do cenário estadual” confirmou o diretor Rodrigo Liquer.
Os membros da Tribo seguem firmes na luta pelo que acreditam e, apesar das dificuldades que enfrentam, conseguem observar um futuro melhor não só para eles como também para o Tupi, afinal, não haveria motivo de existir a torcida se o clube não existisse. “Quem acreditar no nosso ideal e quiser ajudar na festa, é só aparecer na frente da nossa faixa nos jogos do Tupi”, convocou Rodrigo. Como diz uma das músicas compostas por eles: “ó meu Tupi, meu grande amor. Estou contigo sempre aonde você for”. E na busca por esse objetivo eles seguem.
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